Wittgenstein e os jogos de linguagem. Ah, e as palavras que nos deixam felizes. Pronto, é este o título.
Quando temos um filho é normal aguardarmos com ansiedade os momentos «primeiro»: o primeiro sorriso, o primeiro dente, o primeiro passo e a primeira palavra. Será mamã? Será papá? Ou, simplesmente, «cocó»? O certo é que aquela palavra e o som da mesma vai ecoar nos nossos ouvidos de pais babados para todo o sempre.
A primeira palavra. Depois disso, não descansamos até que lhe consigamos «arrancar» todas as palavras que existem do mundo. Inscrevemos a criança no inglês para que saiba as mesmas palavras noutra língua. Palavras, palavras, palavras. Porque queremos ter sempre algo a dizer, sobre tudo. Ou quase tudo.
Há dias encontrei o Wittgenstein, no jardim da aldeia. Ele costuma juntar-se com uns amigos, para jogar às cartas. Mais tarde vim a perceber a importância do jogo para ele, quando estabeleceu uma analogia entre a linguagem e o jogo. Mas nesse dia em que o encontrei, Wittgenstein estava com um problema: tinha sido convidado para fazer um programa de rádio e não sabia se deveria aceitar. Era um trabalho a recibos verdes e não garantia muita estabilidade. E depois havia aquela história de ter que dizer coisas sobre coisa. O Ludwig estava mesmo preocupado.
Não te preocupes, disse-lhe, se houver alguma coisa sobre a qual não possas falar, remete-te ao silêncio. Este é uma coisa tão bonita e acho que até fica bem em rádio. Obriga-nos a parar para pensar, não achas? – Wittgenstein olhou para mim e agradeceu. Não lhe pus a vista em cima durante semanas. Ouvi-o um dia na rádio, numa espécie de performance silenciosa quando foi questionado sobre a polémica da carne de cavalo. «Acerca daquilo que não se pode falar, tem que se ficar em silêncio».
A lição de Wittgenstein é simples, mas difícil de colocar em prática nos dias de hoje, quando, a toda a hora, somos convocados para dar opiniões sobre isto e aquilo. Era melhor e menos ruidoso se, de vez em quando, nos remetessemos ao silêncio. Este é altamente ignorado pela maior parte de nós e pode ser uma resposta tão cheia de conteúdo como qualquer outra, mesmo aquela em que usamos muitas e variadas palavras.
Sei que o Wittgenstein manteve o programa na rádio durante algum tempo. Depois disso, voltou a escrever e tornou-se num homem novo. Chamam-lhe o Segundo Wittgenstein. Publicou um livro, Investigações Filosóficas. O lançamento foi ali mesmo, no jardim, no meio de um jogo de cartas, com os vizinhos. Há melhor forma de ilustrar que a linguagem é um jogo? E que o significado da palavra é estabelecido pelo uso que se lhe dá, num dado jogo de linguagem? É por isso que cá em casa batemos palmas à Bárbara que, com um ano, diz, com todas as letras e de forma perfeita, a palavra cocó. É caso para dizer que, na nossa família, o cocó deixa-nos felizes.