the perks of being a freelancer
sou formadora há alguns anos - ainda sou do tempo do cap e dos cursos financiados, para formação pedagógica de formadores. sou mesmo antiga, hein?
do banco para o banco de desempregados
durante 10 anos fiz de conta que era bancária até que os astros se alinharam e eu consegui sair da instituição onde fiz sempre o meu melhor e não era feliz. só gostava mesmo (e muito!) de algumas pessoas. fiz bons amigos e aprendi muito. o atendimento ao público foi uma experiência muito rica que, ainda hoje, me ajuda no trabalho de gestão de redes e gestão de comunidades.
saí do banco sem ter um emprego ou um trabalho em vista. estive desempregada, fiz parte dessas estatísticas. visitava a junta de freguesia, de quinze em quinze dias, como se fosse uma criminosa com termo de identidade e residência. tive como propostas para a formação profissional cursos na área de estética (cabeleireiro) e nos mármores. os cursos de línguas eram demasiado básicos para o meu nível de conhecimentos. paguei formação do meu bolso para poder justificar que era uma desempregada activa e interessada em mudar.
de uma estatística para a outra
alguns meses depois surgiu a oportunidade de colaborar com uma agência de comunicação. não havia interesse em contratar-me. o que se pretendia era uma colaboração por projecto. podia durar dois meses, três ou apenas um. fruto dos contactos que fui fazendo e do longo networking desenvolvido numa rede social de seu nome twitter, comecei a ter propostas para trabalhos pontuais: social media management, community management, copywriting. e, ainda, formação na área da filosofia para crianças. perante estas oportunidades a minha escolha passou por visitar as finanças e abrir actividade. foi assim que passei das estatísticas do desemprego para a dos recibos verdes - ou trabalhadores independentes.
a partir daí a minha vida mudou: pagamentos de IVA e segurança social. tudo "por minha conta", trabalhadora independente e assim. contratei um contabilista para me ajudar a perceber coisas e para me enviar os e-mails com as informações importantes. assumi os trabalhos que me foram propostos e que, passado uns meses, terminaram. havia que encontrar outros trabalhos - e essa pesquisa passou a consumir muito do meu tempo.
como é que se encontra trabalho?
esta é uma pergunta recorrente. quando dou formação e digo que sou freelancer é comum ouvir esta pergunta, do lado de lá. são pessoas que querem mudar de vida e por isso consideram os recibos verdes como fonte de rendimento.
é cansativo: enviei muitos cvs que ficaram perdidos numa caixa de correio. comecei a ter feedback quando comecei a definir um tom nas minhas apresentações / cartas de motivação. o humor, os trocadilhos com as palavras, o outro lado da joana que não tem nada a ver com social media. a joana que também faz outras coisas. hey, a joana que, mesmo não preenchendo todos os vossos requisitos, é filósofa. e ter um filósofo a fazer isto ou aquilo só pode ser fantástico. respondi a muitos anúncios dizendo: "não preencho todos os pontos do perfil que procuram. ainda assim, é aqui e ali que posso ser uma mais valia."
enquanto trabalhava no banco, fiz muita formação, participei em eventos e conferências, o que me permitiu conhecer pessoas e alargar a rede de contactos. iniciei o meu projecto de filosofia para crianças e criatividade e foram muitas as vezes em que tirei férias no banco para ir trabalhar neste projecto. fui semeando, sem saber quando iria sair do banco, mas com a certeza de que isso aconteceria. o meu outro blog foi fundamental para divulgar o trabalho na área da filosofia para crianças e, assim, conseguir concretizar convites para fazer oficinas com as crianças e também dar formação a professores, educadores e agentes educativos.
quando era bancária e saía do balcão onde trabalhava, no final do dia, dizia aos meus colegas da altura: vou-me embora, pois a minha vida não é isto. algures em 2013 disse isso pela última vez.
é fácil ser freelancer?
não. trabalha-se mais do que por conta de outrém, pois tudo depende de nós: temos que contactar clientes, manter relações de confiança, trabalhar, cumprir prazos, gerir a vida pessoal, ter uma agenda bem definida, combater a procrastinação e tomar decisões como coworking ou home office?
às vezes trabalho ao domingo. e aos sábados. e dou formação em regime pós-laboral. e estou a estudar, num mestrado. tenho família, amigos e namorado. gosto de ir ao teatro e ao cinema. concertos? também.
ainda assim, posso ir com o cão ao veterinário durante a manhã. posso tirar uma tarde e ir aos ctt, ao shopping, ao hipermercado, ao contabilista. a gestão do horário está por minha conta.
há ainda o outro lado, de cobrador de fraque, que é necessário assumir. nem sempre se respeita o trabalho do freelancer e é necessário insistir para que nos paguem. é que a segurança social e o iva não perdoam. felizmente tenho tido bons clientes, que são parceiros, e que são cumpridores na hora de fazer a transferência bancária.
no que respeita à gestão daquilo que recebemos, não podemos esquecer que o IVA pertence ao estado e que mensalmente há a segurança social para pagar. por muito que custe retirar os 23% do recibo e ver outros 25% a serem retidos, é desta forma que temos que pensar nos nossos rendimentos.
há meses em que parece que trabalhamos só para pagar as despesas, outros corrrem melhor. organizem-se e não gastem o dinheiro do IVA: pensem sempre que não é vosso.
balançar para cá, balançar para lá
até agora o balanço é positivo. sobrevivi, não é verdade? se tentei trabalhar com agências? sim, tentei. e vou continuar a tentar apesar de saber que sou muito nova para ser sénior e muito velha para ser júnior. sei também que tenho um perfil atípico no que ao marketing digital / social media diz respeito. disseram-me uma vez que "sou difícil de enquadrar".
a verdade é que sobrevivi. sobrevivo. com os recibos da cor da esperança, com o IVA, com a segurança social e as despesas normais da vida. e não troco esta vida pela vida do banco. mesmo com a angústia de não saber se amanhã vou ter trabalho, se o cliente vai desistir do projecto. mesmo com meses em que dou mais formação e as contas equilibram os meses em que não dou formação. mesmo com uma gestão apertada do orçamento (nem sempre é possível gastar dinheiro em cultura ou em extras). mesmo sem saber muito bem o que vou estar a fazer para o ano ou daqui a dois anos. eu desenrasco-me. não tenho medo de trabalhar. foi por isso que abandonei um emprego estável, com ordenado certo, seguro de saúde e um horário porreiro. é que eu não tenho medo de trabalhar.
falta-me a estabilidade que permite dar outros passos, aqueles que as pessoas da minha idade dão: comprar casa, casar e ter filhos. só que eu não sou as pessoas da minha idade: comprei, há uns anos, um carro a pronto. não quero comprar casa. casar não é uma prioridade e ter filhos também não. portanto, a estabilidade que me falta não é idêntica à das outras pessoas da minha idade. é por isso que não posso aconselhar alguém a embarcar nesta aventura de ser freelancer, pois há demasiadas coisas em jogo e nada como medir bem os prós e os contras.
é preciso ter um perfil de persistência e de optimismo para conseguir lidar com este estilo de vida. há que saber vender o nosso trabalho, trabalhar a marca pessoal e, muito-muito-importante, estabelecer boas relações com os clientes e os parceiros. evitar caminhos fáceis que vão de encontro a estratégias de médio prazo e só resolvem no imediato.
às vezes temos que dizer que não a um trabalho, pois não temos perfil para ele ou até conhecemos alguém que sabe fazer aquilo melhor do que nós. temos que estabelecer limites com os clientes. erramos muito até encontrar o modelo de proposta mais acertado. tentamos, tentamos. fazemos acontecer.